O PERSONALISMO NA POLÍTICA EM BARRA DO CORDA



A troca de gestão é marcada, entre outros fatos, pela corrida de eleitores que, tendo apoiado o candidato eleito, exigem a sua parte: uma vaga no serviço público na forma de contrato. Isso é normal nas cidades pequenas do Brasil, em especial no nordeste. Barra do Corda, longe de ser uma exceção, tem nesse hábito uma importância gigantesca na decisão política. Calma, não é culpa do prefeito Rigo Teles e nem dos ex-prefeitos Éric Costa, Nenzin, Avelar Sampaio, Darcy Terceiro, Elizeu Freitas... Mas de onde vem essa troca de favores tão intensa?


Um dos maiores fatores que empurram o barra-condense para o envolvimento pessoal e emocional nas campanhas eleitorais e subsequente recompensa é a falta de oportunidades. Nossa cidade, embora tenha aumentado, mas de forma lenta, os postos de trabalho no setor de prestação de serviços e negócios, continua tendo a prefeitura como uma das mais almejadas fontes de trabalho. Para isso não se exige tanto esforços acadêmicos: basta “amizade”. Estamos tão próximos dos nossos políticos que, ou somos conhecidos ou amigos, ou então conhecemos alguém que é “chegado” deles.


Em “Raizes do Brasil”, um dos maiores clássicos da sociologia brasileira, Sérgio Buarque de Holanda procura expor e analisar as raizes, os fundamentos que contribuíram para a formação da sociedade brasileira. Quem somos? Porque nosso país continua cheio de contrastes? Por que o brasileiro tem uma “marca” diferenciada? O livro responde essas questões, que são importantes para entender o povo brasileiro, com seus defeitos e qualidades. 


Segundo Sérgio Buarque, a forma de colonização portuguesa, a sociedade patriarcal e o personalismo ditaram os rumos do ser e do agir do brasileiro. Os portugueses trataram o Brasil com certo desleixo. Queriam apenas explorar e levar embora as riquezas naturais. Não queriam investimentos e nem esforços, por isso as grandes propriedades e a escravidão (sistema desumano e que agravou as desigualdades sociais) eram importantes (nada de cidades, escolas, manufatura). Esse desleixo se dá até na plantação de cana de açúcar, que fora plantada de forma rudimentar, sem técnicas adequadas. Já começamos com sementes do atraso. 


Os portugueses eram flexíveis. Ao invés de impor regras rígidas, eles acabaram, de certa forma, se adaptando aos índios e aos negros. Essa flexibilidade não significa um caráter justo e humano por parte dos colonizadores, mas apenas um esforço a menos para lidar com a dominação de um vasto território. 


Na era colonial, a sociedade patriarcal influenciou a formação de ser e agir do brasileiro. Naquela época, o senhor rural dominava uma vasta propriedade, onde detinha a autoridade e o poder absoluto sobre a esposa, filhos, trabalhadores, agregados e escravos. Nesse caso, as relações eram de parentesco, havia uma inclinação à questão afetiva. 


Quando as cidades passaram a crescer e ganhar certa importância (visto que a propriedade rural era o centro da vida social na era colonial), os grandes proprietários rurais e seus filhos foram os que dominaram as áreas urbanas. Com isso, da esfera privada (lar) levaram para o público (cidade) as relações afetivas que imperavam nas grandes propriedades. Não é à toa que os primeiros presidentes do Brasil representavam os grandes fazendeiros. Era a república do café com leite, que terminou em 1930. 


Essa dificuldade em diferenciar o público do privado é um defeito que até hoje os brasileiros possuem. Um funcionário público privilegia um amigo ou parente, o político dá prioridade para a família e os eleitores. Isso se manifesta desde aquela ficha que se pega para não enfrentar fila até grandes escândalos de corrupção. O brasileiro, ao se colocar em primeiro lugar, personalismo, no espaço público, despreza a população em geral para satisfazer os mais próximos. 


Aqui em Barra do Corda vemos isso nitidamente o tempo todo. Um cidadão ouvindo som em alto volume fora de hora sem se preocupar com o vizinho. Nesse caso, a vontade particular, ouvir o som a todo volume, é mais importante do que o direito do outro, o de viver em um local onde exige-se silêncio. É comum o brasileiro adotar a postura de pensamento coletivo apenas quando forças coercitivas entram em ação, como a polícia.


Até a religião se adaptou bem aos trópicos. O catolicismo, embora tenham regras e dogmas, nunca foram muitos respeitados pelos fiéis. É comum alguém que se considera católico sair para festas, ingerir bebida alcoólica, entre outras coisas. Há uma certa aversão à obediência a regras rígidas. A “queda” do brasileiro por concurso público é uma forma de buscar estabilidade que, uma vez conquistada, evita muitos esforços, como em diversos outros empregos. 


O brasileiro é “cordial”, caloroso, humano, mas ao mesmo tempo, é irresponsável ao agir de forma particular diante de situações que exijam objetividade e imparcialidade nas questões coletivas. O barra-cordense faz parte desse sistema, e até se destaca.  Superar esses entraves para que sejamos mais civilizados exige uma reflexão individual e coletiva, uma educação com uma visão crítica dos nossos defeitos particulares e sociais como busca de superação e aprimoramento, lutas por um país mais justo. Enquanto isso, as trocas de favores na vida social e política continuarão, bem como o desrespeito ao próximo. 

(Wennes Mota)

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