O LADO DA ESQUERDA QUE A DIREITA NÃO MOSTRA


O que acontece quando um governo procura ajudar a classe mais pobre e dar-lhe oportunidades de ascensão social? Ele é atacado e derrubado porque não representa os interesses da elite e da classe média. Mas ninguém diz abertamente “vamos derrubar esse político ou partido que está dando poder ao pobre”. Os incomodados buscam justificativas que tenham aceitação  popular, que convença até o próprio pobre a se deixar enganar. 


Lula não venceu as eleições presidenciais de 1989, além de outras duas seguintes, porque era um líder sindical, representava os trabalhadores e os pobres brasileiros. O que aconteceu com ele? Naquela época, os ricos tinham medo de que o líder dos pobres pudesse chegar ao poder e tomar empresas, instalar o socialismo/comunismo no país. As ideias provenientes da elite se espalharam pela mídia e caiu na mente da população, que decidiu “barrar o comunismo”. 


Mas o que aconteceu quando a esquerda chegou ao poder tempos depois? Os pobres e as minorias excluídas tiverem vez e voz. Muitos fazem piadas do tipo “se o Lula tirou milhões da pobreza por que você continua pobre?”. Analisemos essa questão. A esquerda no poder criou ou ampliou programas sociais que visavam tirar as pessoas da pobreza ou pelo menos dar um pouco de dignidade para os pobres. O filho do pobre passou a ter oportunidades para ingressar no ensino superior. Os negros e os indígenas conquistaram o direito a cotas. Quem passava fome conseguiu ajuda do governo para colocar comida na mesa. O proprietário rural conseguiu empréstimos para fortalecer a agricultura familiar, e com isso, a melhorar a renda. A empregada doméstica passa a ter direitos trabalhistas. 


Os recursos são escassos. E quem tem mais acesso a esses recursos são as classes abastadas, cujo papel é continuar a comandar o país e explorar os mais pobres. Assim faz a ricaça ao contratar uma empregada doméstica. A primeira vai trabalhar em serviço maneiro e bem remunerado, ao passo que a segunda irá para o trabalho manual e de baixa remuneração. Quando a esquerda obrigou os patrões a assinarem a carteira das domésticas, a esquerda foi repudiada. Isso porque uma empregada com carteira assinada não vai mais aguentar a exploração, vai ter os seus direitos garantidos por lei. “Os pobres ficaram metidos”, diziam os ricos indignados com os pobres que não aceitavam mais trabalhar como escravo.


As classes média e alta não se importam com quem está lá embaixo, que fazem parte da ralé, como diz o sociólogo Jessé Souza. Isso porque esse público privilegiado está protegido em seus bairros seguros e condomínios de luxo. Seus filhos estudam em boas escolas. Eles irão competir apenas com eles mesmos. O ideal é que os pobres continuem pobres para serem explorados pelos poderosos. 


Bolsonaro entrou em cena como o representante nacionalista da ordem e da moral. Investiu na ideia de  porta-voz dos cristãos, dos valores tradicionais. Que valores tradicionais são esses? São aqueles que se baseiam em uma “ordem” excludente que não funciona mais para a modernidade. A ordem que assegura privilégios de poucos e empurra os excluídos em uma competição desigual pelos recursos escassos. Ou seja, o pobre competir nos estudos e mercado de trabalho com os ricos. A ordem que mantém negros, indígenas e homossexuais silenciados. 


É fácil ser contra a união estável legal de homossexuais quando você não faz parte do grupo. É fácil criticar a política de cotas para negros, indígenas e deficientes quando você é um branco favorecido (ou de qualquer etnia desde que o sujeito tenha muita grana). É mais fácil apenas dizer “bandido bom é bandido morto” do que criar políticas de oportunidades para as populações mais carentes. O bandido pobre entra na bala ou no presídio. O bandido rico fica protegido. Há sempre a desculpa de que se os direitos são iguais, então não se deve privilegiar determinadas “etnias” através de cotas. Mas será se há igualdade na disputa por um espaço? Quando um pobre disputa com um rico, quem tem mais chances de ser bem sucedido na sociedade? 


Os escândalos de corrupção derrubaram o partido trabalhista (PT), mas o que realmente o derrubou foi o incômodo que os excluídos causou para a elite. A corrupção foi a desculpa que caiu como uma luva para tirar do poder o partido que mais se dedicou a diminuir as desigualdades sociais e o preconceito no Brasil.

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