Gilberto Freyre, crítico da teoria racista, empregou o culturalismo para a busca de uma identidade brasileira, uma visão positiva do nosso povo, com sua mistura de raças vista como algo pacífico, harmonioso e como fator de enriquecimento cultural do nosso país.
Sérgio Buarque de Holanda, embora se valendo do culturalismo, explica nossa identidade de maneira diferente. Para ele, as características do povo brasileiro é determinada pela herança personalista dos portugueses, bem como o patriarcalismo e o patrimonialismo, tendo como resultado, uma nação de pessoas emotivas, que não sabe separar o público do privado.
Quem somos? Porque nosso país continua cheio de contrastes? Por que o brasileiro tem uma “marca” diferenciada? O livro responde essas questões, que são importantes para entender o povo brasileiro, com seus defeitos e qualidades.
Segundo Sérgio Buarque, a forma de colonização portuguesa, a sociedade patriarcal e o personalismo ditaram os rumos do ser e do agir do brasileiro. Os portugueses trataram o Brasil com certo desleixo. Queriam apenas explorar e levar embora as riquezas naturais. Não queriam investimentos e nem esforços, por isso as grandes propriedades e a escravidão (sistema desumano e que agravou as desigualdades sociais) eram importantes (nada de cidades, escolas, manufatura). Esse desleixo se dá até na plantação de cana de açúcar, que fora plantada de forma rudimentar, sem técnicas adequadas. Já começamos com sementes do atraso.
Os portugueses eram flexíveis. Ao invés de impor regras rígidas, eles acabaram, de certa forma, se adaptando aos índios e aos negros. Essa flexibilidade não significa um caráter justo e humano por parte dos colonizadores, mas apenas um esforço a menos para lidar com a dominação de um vasto território.
Na era colonial, a sociedade patriarcal influenciou a formação de ser e agir do brasileiro. Naquela época, o senhor rural dominava uma vasta propriedade, onde detinha a autoridade e o poder absoluto sobre a esposa, filhos, trabalhadores, agregados e escravos. Nesse caso, as relações eram de parentesco, havia uma inclinação à questão afetiva.
Quando as cidades passaram a crescer e ganhar certa importância (visto que a propriedade rural era o centro da vida social na era colonial), os grandes proprietários rurais e seus filhos foram os que dominaram as áreas urbanas. Com isso, da esfera privada (lar) levaram para o público (cidade) as relações afetivas que imperavam nas grandes propriedades. Não é à toa que os primeiros presidentes do Brasil representavam os grandes fazendeiros. Era a república do café com leite, que terminou em 1930.
Essa dificuldade em diferenciar o público do privado é um defeito que até hoje os brasileiros possuem. Um funcionário público privilegia um amigo ou parente, o político dá prioridade para a família e os eleitores. Isso se manifesta desde aquela ficha que se pega para não enfrentar fila até grandes escândalos de corrupção. O brasileiro, ao se colocar em primeiro lugar, personalismo, no espaço público, despreza a população em geral para satisfazer os mais próximos.
Até a religião se adaptou bem aos trópicos. O catolicismo, embora tenham regras e dogmas, nunca foram muitos respeitados pelos fiéis. É comum alguém que se considera católico sair para festas, ingerir bebida alcoólica, entre outras coisas. Há uma certa aversão à obediência a regras rígidas. A “queda” do brasileiro por concurso público é uma forma de buscar estabilidade que, uma vez conquistada, evita muitos esforços, como em diversos outros empregos.
O brasileiro é “cordial”, caloroso, humano, mas essas qualidades acabam tornando-o propenso ao personalismo e à corrupção.
A visão da sociedade brasileira atribuída por Sérgio Buarque empurra a culpa dos problemas brasileiros para o próprio povo e o Estado. Essa visão ainda predomina hoje no Brasil, mas há muitos críticos que a contestam veementemente, como o sociólogo Jessé Souza, pois, segundo ele, mantém o povo preso em uma mentalidade preconceituosa e inferiorizada, deixando oculta a verdadeira face do mal do brasileiro, que ele discorre em seu livro “A Elite do Atraso”.
(Wennes Mota)
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